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Solus Christus



Somente por Cristo

“Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.” “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” (Gálatas 2.19-20; Romanos 5.1; João 14.6)


Introdução

Nossos dias são tomados por uma forte sensação de independência, fruto de uma construção amplamente divulgada. Somos levados a crer numa sociedade em que todos parecem livres e capazes de fazer o que quiserem de suas vidas, a ponto de termos ao nosso redor as mais absurdas disparidades sob a tutela do “politicamente correto”. Bom senso, família, respeito aos limites de terceiros, integralização de conceitos: tudo isso entra numa listagem de elementos restritos ou proibidos. Como exemplo recente, foi noticiado no National Post em 7 de dezembro de 2016 que uma professora de escola particular de classe média alta em British Columbia, Canadá, foi sumariamente demitida porque, ao dar aula de ética e moral, citou o caso do aborto e disse que, mesmo sendo legal, ela pessoalmente discordava das leis pró-aborto do Canadá. Os próprios alunos a denunciaram à direção.[1] Quanto à questão religiosa, o mesmo se dá: para que todas as respostas sejam politicamente corretas, é preciso que não haja religião ou algum tipo de deus que se entenda por exclusivo. Isso se direciona contra o Deus cristão, o que é comprovado pelo que acontece com o deus muçulmano, que é exclusivo, mas está na moda do politicamente aceito e correto.

A história do povo de Deus ao longo do Antigo Testamento nos mostra uma triste realidade, em que o povo de Deus mui frequentemente fazia como os povos pagãos e adorava ao Deus de Israel juntamente com outras coisas e deuses, o que obviamente era condenado por Deus. Ao longo da história da Igreja Cristã, infelizmente, isso também ocorre ao longo destes cerca de dois milênios. Por muitas vezes e de diversas maneiras Jesus Cristo tem sido adorado juntamente com outras divindades e ídolos, o que, a exemplo do Antigo Testamento, é condenado pela Palavra de Deus. No tempo em que se deu a Reforma Protestante, esse tipo de prática tinha se instalado quase que permanentemente na Igreja da época, o que se vê até hoje. Práticas sutis, como forte dedicação às boas práticas, ou mesmo práticas mais abertas, como estabelecer culto paralelo a anjos e personagens bíblicos, além de personagens do passado da própria Igreja, podem se constituir em formas veladas de colocar outros deuses e ídolos ao lado de Jesus Cristo. Quando chegamos à Reforma Protestante, o papel de Cristo na salvação dos eleitos veio novamente à tona e a consciência de que somente através de Cristo (Solus Christus) é possível termos paz com Deus, sem que nada mais possa colaborar com esse ato regenerador, passa a aliviar as almas que viviam sob forte jugo de uma escravidão religiosa sem paralelo com a verdadeira revelação da Escritura.



Desenvolvimento

Um dos ideais básicos da Reforma foi recuperar a centralidade de Cristo na vida da Igreja e em tudo aquilo que fazemos. Vida, testemunho, culto público e privado, trabalho, estudo: tudo deve ter Cristo como centro e tudo precisa dar glória ao Senhor Jesus. Além disso, há a recuperação da ideia central da salvação feita exclusivamente pelo ato vicário de Cristo na cruz sem que nada além disso seja acrescentado como coadjuvante ao processo de redenção.

A Confissão de Fé de Westminster diz que “Aprouve a Deus em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.”[2] Essa confirmação de nosso símbolo de fé demonstra claramente a centralidade da pessoa de Cristo e o seu preponderante papel na redenção do povo escolhido por Deus desde “antes da fundação do mundo”[3], pelo que somos dependentes exclusivamente de sua obra de salvação. Na sequência, a mesma Confissão encerra o capítulo dizendo que “Cristo, com toda a certeza e eficazmente aplica e comunica a salvação a todos aqueles para os quais ele a adquiriu. Isto ele consegue, fazendo intercessão por eles e revelando-lhes na palavra e pela palavra os mistérios da salvação, persuadindo-os eficazmente pelo seu Espírito a crer e a obedecer, dirigindo os corações deles pela sua palavra e pelo seu onipotente poder e sabedoria, da maneira e pelos meios mais conformes com a sua admirável e inescrutável dispensação.”[4]

Com o passar dos tempos, e lá se vão 500 anos desde a Reforma, temos uma pergunta que não quer calar diante das intensas mudanças de nossa sociedade com tantos e visíveis reflexos na igreja: se somente Cristo pode nos salvar, qual Cristo temos pregado? O Cristo revelado nas Escrituras é Deus, Verbo eterno, Logos encarnado, totalmente Deus e totalmente homem, Senhor absoluto de todo o universo, único salvador possível, cujo amor e longanimidade são perfeitos, e cuja justiça e ira contra o pecado são terríveis. Nossa resposta precisa ser alinhada com a Escritura Sagrada, uma vez que ela é a nossa única regra de fé e prática.

Ora, a centralidade de Cristo e seu papel único e exclusivo estão na base, na raiz do pensamento protestante. Uma vez que nos lançamos de volta à Escritura (Sola Scriptura), ali encontramos a razão de nossa base de fé, sem que nenhum magistério eclesiástico possa dispor de interpretação particular (cf. 2 Pedro 1.20[5]). Por exemplo, um dos textos que fizeram toda a diferença para a retomada desse conceito é o que diz em referência a Jesus “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos.”[6] Assim, os reformadores nos deixaram um legado de recuperação da verdade bíblica que tinha sido obscurecida pelas tradições de uma religiosidade que, ao longo de séculos, foi se distanciando daquilo que os apóstolos tinham ensinado à Igreja em seu início.

Por outro lado, os ofícios exercidos completa e perfeitamente por Cristo, de Rei, Profeta e Sacerdote, foram um duro golpe na hegemonia do Papa, que teve sua autoridade absolutista minada nos lugares em que a Reforma se estabelecia. Isso fez também com que se abrisse o caminho para a confirmação de que todos os crentes são responsáveis por ministrar uns aos outros, o que passou a ser conhecido como Sacerdócio Universal do Crente. Na prática, essas duas revisões deram origem a sociedades livres do jugo do absolutismo de governo quer tivesse ele aspectos civis ou religiosos, além de contribuir abertamente para o desaparecimento do peso que havia pela separação de uma classe sacerdotal em oposição aos “leigos” da Igreja. Adquirir bênçãos a partir de orações e unções especiais pelo clero, receber ordens temporais e até familiares da Igreja, ter nos governos civis ou religiosos uma espécie de “deus intocável”, ter uma religiosidade mística: nada disso faz sentido numa comunidade de fé cristã autêntica. Infelizmente, em muitas igrejas ditas evangélicas de nossos dias, por causa da enorme influência que o mundo externo exerce sobre a Igreja, muitos têm retornado a práticas condenadas pela Reforma e voltam a colocar jugos pesados com respeito a finanças (o crente se vê forçado a contribuir para alcançar o favor de Deus), culto a personalidades (líderes que se projetam de tal forma e com tamanha influência que ele, e não Deus, passa a ser o centro daquela comunidade), misticismo e sincretismo (unção de objetos, casas, animais e comércios; importação de elementos de outras religiões, como água abençoada, flores ungidas, etc), além de muitas outras práticas que afastam essas comunidades da centralidade de Cristo.

A Bíblia e, consequentemente, a tradição reformada nos ensina que não há meio alternativo de chegar a Deus e à transformação de vidas a não ser Jesus Cristo. A impossibilidade de salvação fora de Cristo é expressa de forma muito clara em várias passagens bíblicas, como Mateus 10.32-33[7], Marcos 16.15-16[8], João 3.35-36[9], João 14.6[10], Atos 4.11-12[11]. Qualquer outro meio pelo qual se queira chegar a Deus e à salvação que não seja Cristo é meio pecaminoso e odioso a Deus, uma vez que isso representaria uma rejeição ao que Cristo fez em favor exclusivamente dos que seriam salvos.


Conclusão

O povo de Deus é composto por gente única, lavada e remida no sangue de Cristo Jesus. A Igreja segue exclusivamente Jesus Cristo, centro de sua fé, cujo nome carrega ao ser chamado de “cristão”. Assim como aquela professora canadense foi inquirida e punida por manter sua opinião particular a respeito de algo como o aborto, estejamos certos que o mundo ao nosso redor vê com olhos de espanto pessoas em pleno século XXI declararem sua opinião particular em favor de Cristo. Mais ainda se essa opinião for exclusiva, ou seja, não é Cristo mais alguma coisa, mas é somente Cristo!

O mundo e a sociedade de hoje querem ser inclusivos, desde que seja para temas de interesse, e entendem que tudo o que for diferente daquilo que eles ditam deve ser rejeitado e tachado de fundamentalista, radical e coisas dessa natureza. A Palavra de Deus que nos ensina que somente podemos chegar a Deus através de Cristo, também nos ensina a termos opinião certa e firme: quando Tiago fala sobre a manutenção da palavra do crente, ele diz que não precisa jurar por nada, nem mesmo por coisas celestiais, a fim de que creiam em nós. Antes, devemos nos conscientizar a dizer a verdade e a manter nossa palavra (cf. Tiago 5.12[12]). Ao mesmo tempo, entendemos que Cristo é o centro de nossa fé e existência. Somente por Cristo. Somente Cristo. A ele toda honra e glória!


Excerto da Declaração de Cambridge sobre o Solus Christus[13]